quinta-feira, 28 de maio de 2015

Desafio I - "Tread softly because you tread on my dreams"

“But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams."

W. B. Yeats


Seria preciso que te pedisse desculpa com palavras não-ditas. Que a gravidade nos puxasse para fora do sistema solar. Ou que, afinal, nada disto tivesse acontecido: que um de nós não tivesse nascido ou que em algum momento tivessemos virado por uma ruela à direita em vez de virar à esquerda e nunca nos tivessemos encontrado. Seria preciso que as leis que nos regem fossem outras. Porque dentro do nosso cósmico mundo, sei bem que nunca me poderás perdoar. Não tivesses tu dado tudo o que tinhas -  e era tão pouco o que tinhas, e não estarias agora com essa ausência em forma de coração. E porque o pouco que tinhas foi o todo que me deste que hoje não há nada com que eu te possa compensar. Caminhei desastradamente sobre ti e nunca olhei para trás. Agora, quando olho para trás já é tarde porque eu já sou outra pessoa e os teus sonhos são cinza pulverizada nas minhas mãos esqueléticas. Lamento, mais do que tudo, esse momento infinitamente pequeno em que decidi virar as costas, esse momento quando – acredito agora -  ainda podia mudar tudo. Hoje aqui estou a escrever um texto sem propósito. Não tenho nada a dizer-te porque não posso pedir desculpa com palavras que não se dizem e a Terra ainda gira em volta do Sol. Hoje és tu quem caminha sobre o meu futuro, domina o meu futuro. Mas eu não tenho medo, confio-te tudo, principalmente os meu sonhos.    

Desafio I - "Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida."

Esperou por ti horas inúteis, esperou por ti esperanças inúteis. Porque ela estava lá, fielmente, à tua espera no porto enquanto tu prosseguias com a tua vida sem te recordares de uma antiga promessa, sem pensares que algures alguém te esperava. E, com o passar do tempo, ela esperava-te para poder esperar alguma coisa, para se ocupar; já nem a acalentava a esperança completamente moribunda, presa à vida numa humilhação de saber se a próxima respiração será, finalmente, a última. Nem a sensação da frustração de saber que está a fazer algo ridículo, absurdo, patético, humilhante, degradante a fustigavam. Estava lá, à tua espera, esperando um milagre que sabia conscientemente que não ia acontecer.
Fitava o rio com um desinteresse descomunal, fitava o rio que a costumava consolar como se fosse uma ferramenta comum, um objecto entre tantos outros. As boas memórias – de quando lá estiveste, do teu riso, o teu rosto, a tua voz, o rio, as cores alegres da Primavera –  e as cruéis – o último adeus, a esperança dela a morrer como um fio de água que escorre, a certeza da solidão, o teu sorriso e o teu rosto – já não a incomodavam. Talvez as palavras tenham mesmo perdido todo o seu valor e, com essa perda, tudo o que elas querem dizer de nada vale. Olhava o porto, na sua espera conscientemente falhada, como se fosse um filme que, aborrecidamente, via numa tarde de Inverno chuvosa. Já nem a solidão a torturava porque já nem como fantasma ela servia.
Mas, por alguma razão, quando chegou a casa procurou, cegamente, a estante. Como um moribundo avisado de que o seu destino está para muito breve, passou o dedo magro por todos os livros até encontrar o que procurava. Foi o teu livro de poemas preferido, o que mantinhas sempre contigo mas que, por qualquer infeliz acidente, lá o deixaste. E que, fielmente, ela guardou para um dia te poder devolver. O pó do livro que sacudiu eram as cinzas da esperança que já definhavam, provavelmente, compraste outro, não precisavas de um livro cheio de pó e de esperanças inúteis. Abriu o livro que já não querias na página que tinhas marcado, o teu poema preferido:

“um dia houve/que nunca mais avistei cidades crepusculares/ e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta/ inclino-me de novo para o pano deste século /recomeço a bordar ou a dormir/ tanto faz /sempre tive dúvidas que alguma vez me visitasse a felicidade.”

E, então, chorou a sua última lágrimas. Finalmente alguém lhe fazia companhia depois dos sonhos falhados, das esperanças fracassadas, do amor quebrado, da Primavera que era apenas um Outono mais agradável, do Verão que não fazia esquecer o Inverno austero, da vida que era efémera, da solidão que esmagava, da beleza do rio que ela já não via, depois de uma vida esfarrapada chorou.

E, então, chorou a sua lágrima na companhia do poema.


sexta-feira, 22 de maio de 2015

Bem-vindos

"Friends within darkness" é um blog de escrita criativa. Todas as semanas são lançados desafios entre os colaboradores e publicados na barra lateral direita do blog. Depois, cada um terá sete dias para escrever um texto ou poema relacionado com o desafio e colocá-lo on-line. Neste momento somos três colaboradores: Alice in wonderland, pantalaimon e Ricardo. Gostamos de ler e de escrever e acima de tudo, da criatividade. Se gostares também, esperemos que voltes e votes nos teus textos favoritos. 


I can remember starving in a 
small room in a strange city 
shades pulled down, listening to 
classical music 
I was young I was so young it hurt like a knife 
inside 
because there was no alternative except to hide as long 
as possible-- 
not in self-pity but with dismay at my limited chance: 
trying to connect. 

the old composers -- Mozart, Bach, Beethoven, 
Brahms were the only ones who spoke to me and 
they were dead. 

finally, starved and beaten, I had to go into 
the streets to be interviewed for low-paying and 
monotonous 
jobs 
by strange men behind desks 
men without eyes men without faces 
who would take away my hours 
break them 
piss on them. 

now I work for the editors the readers the 
critics 

but still hang around and drink with 
Mozart, Bach, Brahms and the 
Bee 
some buddies 
some men 
sometimes all we need to be able to continue alone 
are the dead 
rattling the walls 
that close us in.  

Friends within darkness, Charles Bukowski