Esperou por ti horas inúteis, esperou por ti esperanças inúteis.
Porque ela estava lá, fielmente, à tua espera no porto enquanto tu prosseguias
com a tua vida sem te recordares de uma antiga promessa, sem pensares que
algures alguém te esperava. E, com o passar do tempo, ela esperava-te para poder
esperar alguma coisa, para se ocupar; já nem a acalentava a esperança
completamente moribunda, presa à vida numa humilhação de saber se a próxima
respiração será, finalmente, a última. Nem a sensação da frustração de saber
que está a fazer algo ridículo, absurdo, patético, humilhante, degradante a
fustigavam. Estava lá, à tua espera, esperando um milagre que sabia
conscientemente que não ia acontecer.
Fitava o rio com um desinteresse descomunal, fitava o rio
que a costumava consolar como se fosse uma ferramenta comum, um objecto entre
tantos outros. As boas memórias – de quando lá estiveste, do teu riso, o teu
rosto, a tua voz, o rio, as cores alegres da Primavera – e as cruéis – o último adeus, a esperança
dela a morrer como um fio de água que escorre, a certeza da solidão, o teu
sorriso e o teu rosto – já não a incomodavam. Talvez as palavras tenham mesmo perdido
todo o seu valor e, com essa perda, tudo o que elas querem dizer de nada vale.
Olhava o porto, na sua espera conscientemente falhada, como se fosse um filme
que, aborrecidamente, via numa tarde de Inverno chuvosa. Já nem a solidão a
torturava porque já nem como fantasma ela servia.
Mas, por alguma razão, quando chegou a casa procurou,
cegamente, a estante. Como um moribundo avisado de que o seu destino está para
muito breve, passou o dedo magro por todos os livros até encontrar o que procurava.
Foi o teu livro de poemas preferido, o que mantinhas sempre contigo mas que,
por qualquer infeliz acidente, lá o deixaste. E que, fielmente, ela guardou
para um dia te poder devolver. O pó do livro que sacudiu eram as cinzas da
esperança que já definhavam, provavelmente, compraste outro, não precisavas de
um livro cheio de pó e de esperanças inúteis. Abriu o livro que já não querias
na página que tinhas marcado, o teu poema preferido:
“um dia houve/que nunca mais avistei cidades crepusculares/ e
os barcos deixaram de fazer escala à minha porta/ inclino-me de novo para o
pano deste século /recomeço a bordar ou a dormir/ tanto faz /sempre tive
dúvidas que alguma vez me visitasse a felicidade.”
E, então, chorou a sua última lágrimas. Finalmente alguém
lhe fazia companhia depois dos sonhos falhados, das esperanças fracassadas, do
amor quebrado, da Primavera que era apenas um Outono mais agradável, do Verão
que não fazia esquecer o Inverno austero, da vida que era efémera, da solidão
que esmagava, da beleza do rio que ela já não via, depois de uma vida esfarrapada
chorou.
E, então, chorou a sua lágrima na companhia do poema.
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